sábado, 19 de julho de 2025

O Brasil que ainda não despertou – Entre o #GPS, o satélite e o dever da esperança!

 


É uma cena corriqueira, mas perturbadora: alguém se indigna nas redes sociais com o fato de o Brasil não ter um sistema próprio de GPS. Foi o que fez @Larissa Rohde em uma publicação no Facebook: “Absurdo que o Brasil não tenha um sistema de GPS próprio.” No calor da indignação, uma resposta se destacou: “O Ciro trata disso há 30 anos.”

Não era apenas um comentário. Era uma denúncia histórica. Uma lembrança de que há três décadas, Ciro Gomes vem alertando sobre temas como soberania tecnológica, independência geopolítica e o papel estratégico da ciência nacional.

 Ciro e o Brasil que poderia ter sido

Em debates públicos, entrevistas e no livro Projeto Nacional – O Dever da Esperança, Ciro não economiza: “Ciência e tecnologia é hoje o outro nome de independência.” O GPS próprio se insere nesse sonho de um Brasil que investe em sua infraestrutura espacial, que se recusa a depender das réguas dos EUA ou da benevolência da Rússia. Ele propõe, inclusive, destinar 3% do PIB à ciência e tecnologia, com atenção especial às áreas de defesa, saúde, agricultura e engenharia espacial.

Essa proposta não nasce do improviso. Ela está alinhada à defesa que Ciro faz de órgãos como INPE, Butantan e Fiocruz como pilares de um desenvolvimento autônomo. É dentro dessa lógica que se compreende a urgência de um sistema nacional de posicionamento global: não apenas por segurança, mas como um símbolo de soberania.

Ciro também já mencionou essa pauta em entrevistas ao Canal Livre, nas sabatinas da Folha de S.Paulo, nos debates presidenciais e nas lives com economistas como Nelson Marconi. Em todos, o tom é o mesmo: o Brasil precisa reaprender a fazer o que já fez — aviões como o Super Tucano, jipes como o Troller, veículos blindados como o Osório. Precisamos abandonar o complexo de vira-lata tecnológico.

 Vozes da frustração: o Brasil como continente adormecido

O leitor @Geossistemas — o próprio autor desta crônica — tocou num ponto visceral. Disse: “O Brasil não é a Polônia ou a Eslováquia; o Brasil é um continente. Já construiu a Embraer, já perfurou poços no mar, já construiu o Osório, o Super Tucano e o Troller.”

Esse desabafo carrega verdade e raiva. E ela é legítima. O Brasil já provou, em diversos momentos da história, que é capaz de se reinventar. Mas hoje, segundo Geossistemas, está prisioneiro de duas figuras menores, “decrépitas”, enquanto o país precisa reorganizar sua economia e trilhar novas “rotas da seda” com parceiros como China e Rússia — leia-se: Ásia.

E mais: ele cobra diretamente o presidente Lula — que pare de falar de jabuticaba e vá trabalhar. Ou que entregue o cargo a Geraldo Alckmin, se for incapaz de dar conta. Cobra também o STF, para que não deixe Bolsonaro impune. Para Geossistemas, não há tempo a perder: “Esse país não pode ficar à mercê de duas figuras menores.”

 Entre o satélite e o dever da esperança

A frase sobre o GPS não é só técnica — é política, é emocional. O Brasil não precisa de mais diagnósticos; precisa de ação. Já temos a inteligência, os engenheiros, os institutos. Nos falta vontade política, coordenação e coragem.

A crônica de hoje é uma convocação. Que não falte voz, nem memória. Que não falte Ciro, nem Geossistemas. Que não falte a capacidade de sonhar com um país que projeta seus próprios satélites e trilha suas próprias órbitas.


quarta-feira, 16 de julho de 2025

O peso do olhar que falta




Hoje fui lembrado de uma das cenas mais emblemáticas do cinema: o momento em que o rei Leônidas, no filme Trezentos, está prestes a tomar uma atitude radical — e antes de fazê-lo, olha para sua esposa. Ela, em silêncio, chancela com um leve gesto de cabeça. É o bastante. Ele age.

Aquilo ficou na minha cabeça por dias.

Naquela cena, o que se vê não é uma relação de submissão ou hierarquia. É cumplicidade. Leônidas não pede permissão — ele busca respaldo. E o que ele encontra ali é exatamente o que todo guerreiro precisa antes da batalha: um olhar que diga “estou contigo”.

Volto ao presente. Recentemente, enfrentei uma situação frustrante no meu trabalho. Fui ao campo para executar um serviço, como sempre faço com responsabilidade. Mas o terreno estava completamente intransitável. O cliente, além de não ter cumprido o combinado, ainda exigia que eu voltasse para tentar novamente, sem ter sequer me pago.

Recusei. Tracei um limite. Não por orgulho, mas por respeito — a mim mesmo, ao meu tempo, ao meu ofício. Esperava que, ao chegar em casa, encontraria um gesto de compreensão, talvez um “você fez certo”. Mas recebi julgamento. Críticas. A sensação era de estar sendo desqualificado justo por quem deveria me fortalecer.

É nessas horas que a gente sente o peso do olhar que falta.

Ninguém carrega o mundo sozinho. Não é fraqueza desejar apoio — é humano. Nossos desafios diários exigem mais do que força técnica: exigem sustentação emocional. E quando essa sustentação falha, é como se a base tremesse por dentro, mesmo quando a fachada continua firme.

Não escrevo isso em busca de aplausos ou pena. Escrevo porque sei que muitos se sentem assim. Homens, mulheres, trabalhadores de todas as áreas: cansados de dar o melhor de si lá fora e voltar para um lar onde suas batalhas são minimizadas.

Que possamos refletir sobre isso. Que, mais do que apontar o dedo, sejamos capazes de oferecer o gesto de apoio. Às vezes, tudo que o outro precisa é daquele leve aceno de cabeça que diz: eu te vejo, eu te reconheço, eu estou contigo.



sexta-feira, 11 de julho de 2025

Lula, a História e a Soberania Nacional: O Brasil Não Começa em 1970

 


Por Luciano FDS Paula

Em recente entrevista ao Jornal Nacional, o presidente Lula afirmou que o Brasil mantém "há 200 anos boas relações com os Estados Unidos" e que "a diplomacia brasileira não tem contencioso com ninguém no mundo". A frase, aparentemente inofensiva, revela muito mais do que um gesto diplomático: expõe uma perigosa despolitização da memória histórica e um desprezo estratégico pelas estruturas reais do mundo contemporâneo.

Será que Lula leu a Carta-Testamento de Getúlio Vargas? Será que ele desconhece que João Goulart foi derrubado com apoio direto da CIA e da Casa Branca? Terá ele esquecido que, em 2013, a presidente Dilma Rousseff teve suas comunicações e o gabinete presidencial espionados pela NSA?

O mito das “boas relações”

A história das relações Brasil-EUA não é marcada por cooperação incondicional, mas por intervenções, imposições e vigilância constante dos interesses norte-americanos sobre nossas decisões internas. A chamada “aliança” sempre foi assimétrica: o Brasil entrega matérias-primas, abre mercados, privatiza o que tem e, em troca, recebe promessas, pressão e monitoramento.

Ao ignorar esse passado — e mais do que isso, ao romantizá-lo —, o presidente reforça uma visão ingênua ou cúmplice da posição subalterna que ainda ocupamos na ordem internacional.

A transição tutelada e o engessamento da democracia

A democracia brasileira não foi conquistada com ruptura e empoderamento popular, mas concedida sob controle das elites e supervisão geopolítica de Washington. A “transição lenta, gradual e segura” iniciada nos anos 1980 garantiu que os pilares do autoritarismo continuassem vivos:

  • Nenhum militar julgado;

  • Nenhuma reparação estrutural;

  • Nenhuma refundação republicana.

O resultado? Uma democracia amarrada, tímida e pouco cidadã, que alterna presidentes sem alterar os fundamentos do poder econômico e geopolítico que regem o país.

O Brasil não começa com Lula

Lula não é o ponto de partida da história brasileira. Ao contrário do que seu discurso muitas vezes sugere, há um Brasil profundo que o precede, feito de luta popular, resistências, ideias, revoltas e projetos de nação que foram soterrados pelas elites e apagados das escolas. Ignorar essa trajetória é enfraquecer a formação crítica do povo brasileiro.

Quando Lula diz que o Brasil não tem contencioso com ninguém, ele não apenas nega os conflitos de interesse econômico, geopolítico e industrial que nos envolvem, mas também desarma o povo frente às disputas reais que estruturam o planeta.

Soberania se constrói com povo crítico e Estado forte

Hoje, o Brasil encontra-se militarmente vulnerável, tecnologicamente dependente, industrialmente estagnado e geopoliticamente periférico. Nossas Forças Armadas estão sucateadas, sem peças nem combustível, presas a uma doutrina obsoleta e incapazes de exercer um papel estratégico na defesa do território nacional.

Falar de soberania, portanto, exige mais do que discursos bonitos: exige memória histórica, política industrial robusta, revalorização das forças nacionais e educação política do povo.


Conclusão

Lula poderia — e deveria — usar seu capital político e histórico para reacender no povo brasileiro a chama da soberania, da crítica e da autonomia. Mas ao invés disso, opta por um discurso diplomático despolitizante, que nos afasta da realidade do mundo e nos aproxima do conformismo.

É hora de lembrar: o Brasil não começa com Lula. E não sobreviverá como nação soberana se continuar se esquecendo de si mesmo.

segunda-feira, 9 de junho de 2025

Fotografia que eterniza momentos: Félix Arnaudin e os pastores das Landes

 


No tempo em que a terra era vasta e os caminhos incertos, havia um homem que caminhava entre os ventos, com olhos que viam além do presente. Félix Arnaudin não era apenas um viajante, mas um guardião da memória.

Nas planícies desoladas, pastores erguiam-se sobre altas estacas de madeira, como sentinelas de um reino que estava desaparecendo. Eles não caminhavam pelas estradas dos homens, mas pelos caminhos da criação, elevados acima da lama e da incerteza. Suas vestes eram simples, suas vidas solitárias, mas sua missão era grande: guiar os rebanhos, proteger o que lhes foi confiado.



Assim como um pastor conhece cada uma de suas ovelhas, Félix conhecia cada rosto, cada canção e cada sombra que pairava sobre sua terra. Ele não apenas viu o que estava desaparecendo—ele sentiu. E, como um escriba dos tempos antigos, gravou em prata e luz aquilo que o mundo já começava a esquecer.

Mas veio o progresso, e os caminhos foram pavimentados. Os pântanos secaram, e os pastores desceram de suas alturas. O que antes era necessário tornou-se relíquia. O que antes era vida tornou-se lenda. Muitos seguiram em frente, sem olhar para trás. Mas Félix permaneceu, como um profeta anunciando que não se deve esquecer os dias antigos.

Suas imagens tornaram-se testemunho, e através delas, os pastores das Landes nunca desapareceram completamente. Como um bom pastor que nunca abandona seu rebanho, Félix manteve viva uma história que poderia ter sido apagada. Assim, através da sua obra, os ecos da Gasconha ainda ressoam—altos, firmes e silenciosos, como sentinelas de um passado que ainda tem algo a dizer.


domingo, 8 de junho de 2025

OCEANOS VERSUS MARES: Reflexões para o Brasil e o Ceará no dia mundial dos oceanos


 

À memória de Melquíades Pinto Paiva (1930 –2021), Fundador da Estação de Biologia Marinha, posteriormente, Instituto de Ciências  do Mar – Labomar/UFC,  coordenador da equipe responsável pelo levantamento dos dados pretéritos, referentes a recursos pesqueiros, estuarinos e marinhos do Brasil, junto ao Programa de Recursos Vivos da Zona Econômica Exclusiva – REVIZEE. Visionário da Oceanografia Biológica, cuja paixão pelos oceanos inspira gerações, e em homenagem aos pesquisadores brasileiros que, como ele, desbravam o azul profundo com ciência e coragem.

“Verdes mares bravios de minha terra natal

Onde canta a Jandaia nas frondes da carnaúba...”
— José de Alencar

 

No Brasil, e especialmente no Ceará, estado nordestino banhado pelo bravio Atlântico tropical, a distinção entre mar e oceano é, muitas vezes, diluída na linguagem cotidiana. A praia, lugar de encontro do sertanejo com o mar, carrega mais memórias afetivas que definições científicas. É fundamental recuperar a precisão conceitual, conforme nos recorda o ilustre professor, herdeiro da tradição de dona Fideralina Augusto (1832-1919).

O oceano é vasto, profundo, um corpo planetário — ele é o Okeanós dos gregos, o grande fluxo que circunda a Terra. Já o mar é recorte, é borda, é margem — a thalassa, o espaço entre continentes, muitas vezes limitado e mais raso. No Ceará, poderíamos dizer que o que vemos das falésias de Beberibe ou das praias de Almofala é o mar, sim — mas ele é parte do Oceano Atlântico, esse corpo contínuo que conecta o Brasil à África, à Europa e aos fundos abissais.

A ciência brasileira, nos últimos 60 anos, deu passos significativos no estudo deste domínio marinho. No Ceará, apesar dos recursos ainda limitados, temos visto o florescimento de pesquisas em geologia marinha, geomorfologia costeira, dinâmica sedimentar e gestão integrada da zona costeira, com instituições como a UFC, UECE, Labomar, LGCO entre outros sendo protagonistas desse avanço.

Assim como os europeus participaram do Deep Sea Drilling Project, também o Brasil, com o navio Vital de Oliveira e programas como o LEVANTAMENTO DA MARGEM EQUATORIAL, vem investindo em conhecimento dos seus fundos oceânicos. As pesquisas sobre a caracterização sedimentológica e geomorfológica da Plataforma Continental brasileira tiveram seu impulso inicial entre as décadas de 1960 e 1980, destacando-se as Operações GEOMAR, promovidas pelo grupo do PGGM, Projeto REMAC (Reconhecimento da Margem Continental). Ainda estamos longe de uma atuação comparável em escala, mas as sementes foram lançadas — especialmente na luta pela Amazônia Azul, conceito estratégico que associa soberania à pesquisa científica e conservação marinha.

No Ceará, com seus 573 km de costa, a questão costeiro-marinha é urgente. O avanço do mar, a erosão, a degradação de recifes e a pressão da especulação imobiliária/turismo desordenado impõem desafios sérios, que exigem conhecimento profundo da interação entre marés, correntes, sedimentos e ações humanas. E aqui voltamos à distinção: é no mar, este recorte costeiro, que sentimos mais diretamente os efeitos da ação oceânica.

A geodiversidade marinha cearense, com sua plataforma carbonática, rochas de praia, eólianitos, os quartzitos de Jericoacoara e extensas planícies de maré, é um campo fértil para o avanço da Oceanografia Geológica. As bacias oceânicas profundas, para além da Plataforma Continental Brasileira, conectam-se diretamente com processos globais, como a dinâmica tectônica, a circulação termohalina, ondas de Rossby e a história sedimentar do planeta — campos ainda pouco explorados por nossos cientistas regionais.

Celebrar o Dia Mundial dos Oceanos no Brasil, e no Ceará em particular, é reconhecer que nossa história — indígena, africana, europeia, litorânea — tem no mar não apenas um espaço de contemplação, mas de vida, de conflito, de sobrevivência e, sobretudo, de oportunidade. A transição energética, a economia azul e a proteção da biodiversidade marinha são temas contemporâneos que exigem uma nova geração de cientistas costeiros e oceanográficos.

Assim como professor Melquíades e seus colegas do Labomar inspiraram uma era de descobertas com o Barco de pesquisa da UFC professor Martins Filho, cabe a nós, brasileiros, especialmente nordestinos, inspirar uma nova era de protagonismo científico no Atlântico Sul. A talassografia — esse belo termo grego — precisa de sotaques tropicais, nordestinos, indígenas, quilombolas, cearenses.

Que o mar, essa entidade dinâmica e instável, siga nos provocando perguntas. E que o oceano, esse sistema profundo e ainda insondado, continue sendo o espelho onde buscamos entender não só a Terra, mas a nós mesmos.

 

“Serenai verdes mares, e alisai docemente

a vaga impetuosa, para que o barco

aventureiro manso resvale à flor das águas.

Onde vai a afouta jangada, que deixa

 rápida a costa cearense,

aberta ao fresco terral a grande vela?”

- José de Alencar

quinta-feira, 22 de maio de 2025

União da Inteligência com a Natureza: um caminho necessário para o desenvolvimento do Brasil

 


Por Luciano F D S Paula, 

A proposta do filósofo e sociólogo Roberto Mangabeira Unger, sintetizada no projeto “União da Inteligência com a Natureza”, aponta para uma direção imprescindível ao futuro do Brasil. Como geógrafo e empreendedor comprometido com o desenvolvimento sustentável e a gestão responsável dos territórios, vejo nesta ideia não apenas uma reflexão teórica, mas uma convocação prática e urgente.

Mangabeira Unger denuncia, com razão, a dependência estrutural do Brasil em relação ao modelo extrativista: vender soja, carne e minério de ferro, enquanto se submete ao rentismo financeiro e ao assistencialismo como política social. Essa crítica precisa ser amplificada e, mais que isso, convertida em ação.

A necessária superação do primitivismo produtivo

Ao longo dos meus anos atuando na geografia acadêmica, consultoria ambiental e regularização fundiária, observei como o modelo primário-exportador restringe as oportunidades de desenvolvimento local e nacional. Uma economia focada somente na extração de recursos naturais, sem incorporar inteligência, inovação e inclusão, mantém desigualdades e prejudica o meio ambiente.

Mangabeira fala da “qualificação produtiva da capacitação” como prioridade estratégica. Concordo integralmente. O Brasil não pode continuar relegando a ciência, a tecnologia e o conhecimento tradicional a papéis secundários. Pelo contrário: é preciso colocar a pesquisa científica e a inovação a serviço de uma nova economia, baseada na valorização da natureza como aliada e não como inimiga.

Desenvolvimento sustentável como prática e não discurso

Em nossos projetos de campo, na elaboração de laudos ambientais, estudos geotécnicos e soluções para empreendimentos que buscam se adequar à legislação ambiental, percebemos que a sustentabilidade ainda é, para muitos, uma obrigação legal, e não um valor estratégico.

A proposta de união entre inteligência e natureza implica mudar essa mentalidade. Sustentabilidade deve ser compreendida como uma oportunidade de transformação produtiva, de geração de riqueza e bem-estar, e não como um custo a ser minimizado. É preciso investir na formação de capital humano, em tecnologias limpas, em cadeias produtivas que respeitem os ecossistemas e promovam a inclusão social.

Cidadania ativa e protagonismo da sociedade civil

Mangabeira é incisivo ao afirmar que não devemos esperar a ação das elites políticas, mas assumir como cidadãos a tarefa de construir um novo Brasil. Esse chamado ressoa com a minha trajetória e com aquilo que defendo: a participação ativa da sociedade civil na formulação de políticas públicas, no fortalecimento da economia local e na promoção de práticas ambientais responsáveis.

O campo técnico da geografia, da engenharia ambiental, do urbanismo, entre tantos outros, pode e deve ser um motor desta transformação. São os profissionais, pesquisadores, empreendedores e comunidades locais que podem materializar esta “união da inteligência com a natureza” por meio de projetos concretos, inovações aplicadas e novas formas de gestão territorial.

Um novo pacto desenvolvimentista: do discurso à ação

O Brasil precisa, mais do que nunca, de um novo pacto desenvolvimentista, como propõe Mangabeira. Um pacto que abandone o extrativismo predatório e abrace uma visão integrada, que combine natureza, ciência, tecnologia e cidadania.

Este não é um projeto para o futuro distante, mas para o agora. Cada área degradada que pode ser recuperada, cada território que pode ser regularizado com respeito ao meio ambiente, cada empreendimento que pode ser conduzido com responsabilidade social e ecológica, são exemplos de como este pacto pode ser tecido cotidianamente.

Como profissional comprometido com essa causa, coloco minha voz e meu trabalho a serviço dessa transformação. Não podemos mais adiar o que é urgente: construir um Brasil onde o desenvolvimento não seja sinônimo de destruição, mas de inovação, inclusão e sustentabilidade.


#Nature-based solution

quarta-feira, 30 de abril de 2025

Belchior me mostrou Fortaleza - e foi bom demais - 8 anos de saudades Bel...

 



"Fotografia 3x4, sem data e sem lugar...
um retrato de mim, sem nada pra dizer...
só um nome, um rosto, um olhar...

— E de repente, era sobre mim.

Eu cheguei em Fortaleza em meados de 2004/2005 com uma mochila surrada, um caderno de capa preta cheio de rabiscos existencialistas e aquela sede — não só de água, mas de vida, de descoberta, de me perder nos cantos da cidade até ela me adotar. Não tinha carro, não tinha amigos, só um endereço escrito num papel dobrado: casa da tia Conceição, esposa do tio Tarcísio (irmão do meu pai) no Conjunto Polar, Barra do Ceará, pertinho daquela praça onde os senhores do bairro jogavam dominó ao entardecer.

Mas tinha meu fone de ouvido

E foi nele, sintonizado na Universitária FM — entre chiados de antena e interferências — que ouvi pela primeira vez Fotografia 3x4. O violão cortou o ar como uma faca, a voz de Belchior escorreu pelos fones e eu... eu congelei no meio da calçada. "Como assim? Meu Deus, ele está cantando a minha vida". Aquela letra era meu retrato sem moldura: um jovem sem data certa, sem lugar "pra onde ir", só um nome e um olhar perdido no espelho de uma cidade grande demais.

"Eu me lembro muito bem do dia que eu cheguei...

Jovem que desce do norte pra cidade grande
Os pés cansados e feridos de andar légua tirana
De lágrimas nos olhos de ler o Pessoa
E de ver o verde da cana"... 

E aí começou o ritual: todas as manhãs, eu saía com Belchior nos ouvidos. A música virou meu mapa afetivo.

— Na Ponte dos Ingleses (metálica), onde o vento soprava as páginas do meu caderno, eu entendia o verso: 

 "Pois o que pesa no norte, pela Lei da Gravidade
Disso Newton já sabia, cai no sul, grande cidade".

— No Dragão do Mar, entre artistas de rua e cheiro de grama, na praça verde, "eu não tinha medo do tempo, nem do que viesse a ser" ganhava novo sentido.

"Examinando o 3X4 da fotografia

E estranhando o nome do lugar de onde eu vinha"


— Na Praça do Ferreira, sob o sol das 15h, eu murmurava 

"Desses casos de família e de dinheiro eu nunca entendi bem

Veloso, o Sol não é tão bonito pra quem vem do norte e vai viver na rua"

E todas as noites, voltava pra Barra do Ceará com a certeza de que Belchior não estava só no rádio. Ele estava no asfalto quente que queimava meus pés descalços de sonhador, no olhar dos vendedores ambulantes, no cheiro de maresia que invadia o Polar.

Belchior me mostrou Fortaleza

Era assim: de manhã, pegava o ônibus pra UECE com o verso "A minha história é talvez igual a sua. Jovem que desceu do norte, que no sul viveu na rua" ecoando nos meus fones. À tarde, quando o sol queimava menos, eu começava meu ritual a pé — do Dragão do Mar até a Ponte dos Ingleses, onde me sentava pra ver o pôr do sol com o pessoal do Ceará. Eles contavam histórias de um tempo em que Belchior ainda andava por ali, "vendo as longarinas da ponte velha". Eu ouvia e imaginava.

Depois, subia pra Praça do Ferreira, onde o cheiro de castanhas e o burburinho de vendedores se misturavam ao refrão de "Fotografia 3x4; A minha história é igual a sua jovem que desceu do norte e que no sul viveu nas ruas", bem, graças aos meus - eu nunca precisei dormir na rua - mas eu via muita gente dormindo na rua, e o Belchior que ajudou a enxergar aquela gente - "os humilhados do parque". Dali, seguia pro prédio da Justiça Federal no Ceará, onde funcionava o Centro Cultural do Banco do Nordeste — meu templo. Lá dentro, consumia arte, poesia, exposições, e às vezes me perdia nos percursos urbanos que misturavam literatura com as ruas. De noite, rumava pro IFCE da 13 de Maio, toamava uma sopinha e ia encontrar com as namoradinhas, amigos, e consumir a cultura pulsante do Benfica. E quando a cidade já dormia, eu voltava pra casa da minha tia, com os últimos acordes de Belchior me acompanhando na caminhada.

Bel, "o tempo, andou mexendo com a gente"

Anos depois, hoje, passeando com meu filho - João - " Johnnnnnnn, o tempo andou mexendo com a gente, sim", morando e vivendo Fortaleza . E tudo — absolutamente tudo — ainda tem o mesmo cheiro, o mesmo calor, a mesma luz. Só que agora eu entendia: Belchior não estava só no meu fone de ouvido. Ele estava no asfalto quente do entorno da Praça do Ferreira, no vento que varria a Ponte dos Ingleses, nas conversas do pessoal do Ceará, no silêncio do Centro Cultural. Ele tinha me ensinado que cidades são feitas de passos e memórias — e que algumas canções são como mapas.

Hoje, meu filho João — que nem havia nascido quando Belchior partiu — escuta no rádio a nossa "fotografia 3x4". Ele erra a letra, ri, e tenta de novo. E eu penso: "É isso. O tempo não para -não para não, não para."

João não viveu os anos 90, não sabe o que é esperar uma música tocar no rádio para gravá-la em fita cassete. Mas ele conhece Belchior. E quando canta "mesmo vivendo assim, não me esqueci de amar", é como se o poeta estivesse ali, no meio da sala, sorrindo desse menino de quase 8 anos que decifra o mundo através dele.

Belchior não morreu.

Ele se transformou no vento que balança o ipê amarelo da nossa rua.
Nas histórias que eu conto pra João sobre Fortaleza — aquela cidade que já foi minha e agora é nossa.
No silêncio que a gente compartilha quando Fotografia 3x4 toca no carro e os dois ficamos calados, olhando o horizonte.

João me pergunta: "Pai, por que você gosta tanto dele?"
E eu respondo com outra pergunta: "Por que você gosta?"
Ele encolhe os ombros e diz: "Não sei. Só sei que quando escuto, parece que ele tá falando comigo."

E é exatamente isso, Belchior.

8 anos sem você são 8 anos de você em todo lugar.
Nos meus discos riscados.

Nas minhas caminhadas sem rumo.
No meu filho — que ajudei a te descobrir, e te achou como quem acha um tesouro esquecido no bolso de um casaco de couro rasgado.

O rio da vida não volta, é verdade.
Mas algumas vozes... ah, algumas vozes são como sementes.
Elas atravessam o tempo, germinam em solos desconhecidos e florescem onde deve florescer.

Hoje, João canta fotografia 3x4.
E eu, orgulhoso e despedaçado, escuto da cozinha.
Enquanto a água cai, eu juro ouvir você sussurrar:

"Tá vendo? Eu avisei.
O tempo é imparável."

Por isso hoje, quando ouço - com o little John - Fotografia 3x4, não ouço só uma música.

Ouço o retrato de quem eu fui. De quem sou. E de quem sempre serei. 

Anos depois, descobri: ele não cantava minha vida. Cantava a vida de todos nós — os sem data, os sem lugar, os que chegam com uma mochila e um sonho na cidade grande.