Por Luciano FDS Paula
Em recente entrevista ao Jornal Nacional, o presidente Lula afirmou que o Brasil mantém "há 200 anos boas relações com os Estados Unidos" e que "a diplomacia brasileira não tem contencioso com ninguém no mundo". A frase, aparentemente inofensiva, revela muito mais do que um gesto diplomático: expõe uma perigosa despolitização da memória histórica e um desprezo estratégico pelas estruturas reais do mundo contemporâneo.
Será que Lula leu a Carta-Testamento de Getúlio Vargas? Será que ele desconhece que João Goulart foi derrubado com apoio direto da CIA e da Casa Branca? Terá ele esquecido que, em 2013, a presidente Dilma Rousseff teve suas comunicações e o gabinete presidencial espionados pela NSA?
O mito das “boas relações”
A história das relações Brasil-EUA não é marcada por cooperação incondicional, mas por intervenções, imposições e vigilância constante dos interesses norte-americanos sobre nossas decisões internas. A chamada “aliança” sempre foi assimétrica: o Brasil entrega matérias-primas, abre mercados, privatiza o que tem e, em troca, recebe promessas, pressão e monitoramento.
Ao ignorar esse passado — e mais do que isso, ao romantizá-lo —, o presidente reforça uma visão ingênua ou cúmplice da posição subalterna que ainda ocupamos na ordem internacional.
A transição tutelada e o engessamento da democracia
A democracia brasileira não foi conquistada com ruptura e empoderamento popular, mas concedida sob controle das elites e supervisão geopolítica de Washington. A “transição lenta, gradual e segura” iniciada nos anos 1980 garantiu que os pilares do autoritarismo continuassem vivos:
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Nenhum militar julgado;
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Nenhuma reparação estrutural;
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Nenhuma refundação republicana.
O resultado? Uma democracia amarrada, tímida e pouco cidadã, que alterna presidentes sem alterar os fundamentos do poder econômico e geopolítico que regem o país.
O Brasil não começa com Lula
Lula não é o ponto de partida da história brasileira. Ao contrário do que seu discurso muitas vezes sugere, há um Brasil profundo que o precede, feito de luta popular, resistências, ideias, revoltas e projetos de nação que foram soterrados pelas elites e apagados das escolas. Ignorar essa trajetória é enfraquecer a formação crítica do povo brasileiro.
Quando Lula diz que o Brasil não tem contencioso com ninguém, ele não apenas nega os conflitos de interesse econômico, geopolítico e industrial que nos envolvem, mas também desarma o povo frente às disputas reais que estruturam o planeta.
Soberania se constrói com povo crítico e Estado forte
Hoje, o Brasil encontra-se militarmente vulnerável, tecnologicamente dependente, industrialmente estagnado e geopoliticamente periférico. Nossas Forças Armadas estão sucateadas, sem peças nem combustível, presas a uma doutrina obsoleta e incapazes de exercer um papel estratégico na defesa do território nacional.
Falar de soberania, portanto, exige mais do que discursos bonitos: exige memória histórica, política industrial robusta, revalorização das forças nacionais e educação política do povo.
Conclusão
Lula poderia — e deveria — usar seu capital político e histórico para reacender no povo brasileiro a chama da soberania, da crítica e da autonomia. Mas ao invés disso, opta por um discurso diplomático despolitizante, que nos afasta da realidade do mundo e nos aproxima do conformismo.
É hora de lembrar: o Brasil não começa com Lula. E não sobreviverá como nação soberana se continuar se esquecendo de si mesmo.
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