À
memória de Melquíades Pinto Paiva (1930 –2021), Fundador da Estação de Biologia
Marinha, posteriormente, Instituto de Ciências
do Mar – Labomar/UFC, coordenador
da equipe responsável pelo levantamento dos dados pretéritos, referentes a
recursos pesqueiros, estuarinos e marinhos do Brasil, junto ao Programa de
Recursos Vivos da Zona Econômica Exclusiva – REVIZEE. Visionário da
Oceanografia Biológica, cuja paixão pelos oceanos inspira gerações, e em
homenagem aos pesquisadores brasileiros que, como ele, desbravam o azul
profundo com ciência e coragem.
“Verdes mares bravios de minha terra
natal
Onde canta a Jandaia nas frondes da carnaúba...”
— José de Alencar
No
Brasil, e especialmente no Ceará, estado nordestino banhado pelo bravio
Atlântico tropical, a distinção entre mar e oceano é, muitas
vezes, diluída na linguagem cotidiana. A praia, lugar de encontro do sertanejo
com o mar, carrega mais memórias afetivas que definições científicas. É
fundamental recuperar a precisão conceitual, conforme nos recorda o ilustre
professor, herdeiro da tradição de dona Fideralina Augusto (1832-1919).
O oceano
é vasto, profundo, um corpo planetário — ele é o Okeanós dos gregos, o
grande fluxo que circunda a Terra. Já o mar é recorte, é borda, é margem
— a thalassa, o espaço entre continentes, muitas vezes limitado e mais
raso. No Ceará, poderíamos dizer que o que vemos das falésias de Beberibe ou
das praias de Almofala é o mar, sim — mas ele é parte do Oceano Atlântico, esse
corpo contínuo que conecta o Brasil à África, à Europa e aos fundos abissais.
A
ciência brasileira, nos últimos 60 anos, deu passos significativos no estudo
deste domínio marinho. No Ceará, apesar dos recursos ainda limitados, temos
visto o florescimento de pesquisas em geologia marinha, geomorfologia
costeira, dinâmica sedimentar e gestão integrada da zona costeira,
com instituições como a UFC, UECE, Labomar, LGCO entre outros sendo
protagonistas desse avanço.
Assim
como os europeus participaram do Deep Sea Drilling Project, também o
Brasil, com o navio Vital de Oliveira e programas como o LEVANTAMENTO
DA MARGEM EQUATORIAL, vem investindo em conhecimento dos seus fundos
oceânicos. As pesquisas sobre a caracterização sedimentológica e geomorfológica
da Plataforma Continental brasileira tiveram seu impulso inicial entre as
décadas de 1960 e 1980, destacando-se as Operações GEOMAR, promovidas pelo
grupo do PGGM, Projeto REMAC (Reconhecimento da Margem Continental). Ainda
estamos longe de uma atuação comparável em escala, mas as sementes foram
lançadas — especialmente na luta pela Amazônia Azul, conceito
estratégico que associa soberania à pesquisa científica e conservação marinha.
No
Ceará, com seus 573 km de costa, a questão costeiro-marinha é urgente. O avanço
do mar, a erosão, a degradação de recifes e a pressão da especulação
imobiliária/turismo desordenado impõem desafios sérios, que exigem conhecimento
profundo da interação entre marés, correntes, sedimentos e ações humanas. E
aqui voltamos à distinção: é no mar, este recorte costeiro, que sentimos
mais diretamente os efeitos da ação oceânica.
A geodiversidade
marinha cearense, com sua plataforma carbonática, rochas de praia,
eólianitos, os quartzitos de Jericoacoara e extensas planícies de maré, é um
campo fértil para o avanço da Oceanografia Geológica. As bacias
oceânicas profundas, para além da Plataforma Continental Brasileira,
conectam-se diretamente com processos globais, como a dinâmica tectônica, a
circulação termohalina, ondas de Rossby e a história sedimentar do planeta —
campos ainda pouco explorados por nossos cientistas regionais.
Celebrar
o Dia Mundial dos Oceanos no Brasil, e no Ceará em particular, é
reconhecer que nossa história — indígena, africana, europeia, litorânea — tem
no mar não apenas um espaço de contemplação, mas de vida, de conflito, de
sobrevivência e, sobretudo, de oportunidade. A transição energética, a economia
azul e a proteção da biodiversidade marinha são temas contemporâneos que exigem
uma nova geração de cientistas costeiros e oceanográficos.
Assim
como professor Melquíades e seus colegas do Labomar inspiraram uma era de
descobertas com o Barco de pesquisa da UFC professor Martins Filho, cabe
a nós, brasileiros, especialmente nordestinos, inspirar uma nova era de
protagonismo científico no Atlântico Sul. A talassografia — esse belo
termo grego — precisa de sotaques tropicais, nordestinos, indígenas,
quilombolas, cearenses.
Que o
mar, essa entidade dinâmica e instável, siga nos provocando perguntas. E que o
oceano, esse sistema profundo e ainda insondado, continue sendo o espelho onde
buscamos entender não só a Terra, mas a nós mesmos.
“Serenai verdes
mares, e alisai docemente
a vaga
impetuosa, para que o barco
aventureiro
manso resvale à flor das águas.
Onde vai a
afouta jangada, que deixa
rápida a costa cearense,
aberta ao fresco
terral a grande vela?”
- José
de Alencar
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