domingo, 8 de junho de 2025

OCEANOS VERSUS MARES: Reflexões para o Brasil e o Ceará no dia mundial dos oceanos


 

À memória de Melquíades Pinto Paiva (1930 –2021), Fundador da Estação de Biologia Marinha, posteriormente, Instituto de Ciências  do Mar – Labomar/UFC,  coordenador da equipe responsável pelo levantamento dos dados pretéritos, referentes a recursos pesqueiros, estuarinos e marinhos do Brasil, junto ao Programa de Recursos Vivos da Zona Econômica Exclusiva – REVIZEE. Visionário da Oceanografia Biológica, cuja paixão pelos oceanos inspira gerações, e em homenagem aos pesquisadores brasileiros que, como ele, desbravam o azul profundo com ciência e coragem.

“Verdes mares bravios de minha terra natal

Onde canta a Jandaia nas frondes da carnaúba...”
— José de Alencar

 

No Brasil, e especialmente no Ceará, estado nordestino banhado pelo bravio Atlântico tropical, a distinção entre mar e oceano é, muitas vezes, diluída na linguagem cotidiana. A praia, lugar de encontro do sertanejo com o mar, carrega mais memórias afetivas que definições científicas. É fundamental recuperar a precisão conceitual, conforme nos recorda o ilustre professor, herdeiro da tradição de dona Fideralina Augusto (1832-1919).

O oceano é vasto, profundo, um corpo planetário — ele é o Okeanós dos gregos, o grande fluxo que circunda a Terra. Já o mar é recorte, é borda, é margem — a thalassa, o espaço entre continentes, muitas vezes limitado e mais raso. No Ceará, poderíamos dizer que o que vemos das falésias de Beberibe ou das praias de Almofala é o mar, sim — mas ele é parte do Oceano Atlântico, esse corpo contínuo que conecta o Brasil à África, à Europa e aos fundos abissais.

A ciência brasileira, nos últimos 60 anos, deu passos significativos no estudo deste domínio marinho. No Ceará, apesar dos recursos ainda limitados, temos visto o florescimento de pesquisas em geologia marinha, geomorfologia costeira, dinâmica sedimentar e gestão integrada da zona costeira, com instituições como a UFC, UECE, Labomar, LGCO entre outros sendo protagonistas desse avanço.

Assim como os europeus participaram do Deep Sea Drilling Project, também o Brasil, com o navio Vital de Oliveira e programas como o LEVANTAMENTO DA MARGEM EQUATORIAL, vem investindo em conhecimento dos seus fundos oceânicos. As pesquisas sobre a caracterização sedimentológica e geomorfológica da Plataforma Continental brasileira tiveram seu impulso inicial entre as décadas de 1960 e 1980, destacando-se as Operações GEOMAR, promovidas pelo grupo do PGGM, Projeto REMAC (Reconhecimento da Margem Continental). Ainda estamos longe de uma atuação comparável em escala, mas as sementes foram lançadas — especialmente na luta pela Amazônia Azul, conceito estratégico que associa soberania à pesquisa científica e conservação marinha.

No Ceará, com seus 573 km de costa, a questão costeiro-marinha é urgente. O avanço do mar, a erosão, a degradação de recifes e a pressão da especulação imobiliária/turismo desordenado impõem desafios sérios, que exigem conhecimento profundo da interação entre marés, correntes, sedimentos e ações humanas. E aqui voltamos à distinção: é no mar, este recorte costeiro, que sentimos mais diretamente os efeitos da ação oceânica.

A geodiversidade marinha cearense, com sua plataforma carbonática, rochas de praia, eólianitos, os quartzitos de Jericoacoara e extensas planícies de maré, é um campo fértil para o avanço da Oceanografia Geológica. As bacias oceânicas profundas, para além da Plataforma Continental Brasileira, conectam-se diretamente com processos globais, como a dinâmica tectônica, a circulação termohalina, ondas de Rossby e a história sedimentar do planeta — campos ainda pouco explorados por nossos cientistas regionais.

Celebrar o Dia Mundial dos Oceanos no Brasil, e no Ceará em particular, é reconhecer que nossa história — indígena, africana, europeia, litorânea — tem no mar não apenas um espaço de contemplação, mas de vida, de conflito, de sobrevivência e, sobretudo, de oportunidade. A transição energética, a economia azul e a proteção da biodiversidade marinha são temas contemporâneos que exigem uma nova geração de cientistas costeiros e oceanográficos.

Assim como professor Melquíades e seus colegas do Labomar inspiraram uma era de descobertas com o Barco de pesquisa da UFC professor Martins Filho, cabe a nós, brasileiros, especialmente nordestinos, inspirar uma nova era de protagonismo científico no Atlântico Sul. A talassografia — esse belo termo grego — precisa de sotaques tropicais, nordestinos, indígenas, quilombolas, cearenses.

Que o mar, essa entidade dinâmica e instável, siga nos provocando perguntas. E que o oceano, esse sistema profundo e ainda insondado, continue sendo o espelho onde buscamos entender não só a Terra, mas a nós mesmos.

 

“Serenai verdes mares, e alisai docemente

a vaga impetuosa, para que o barco

aventureiro manso resvale à flor das águas.

Onde vai a afouta jangada, que deixa

 rápida a costa cearense,

aberta ao fresco terral a grande vela?”

- José de Alencar

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