quarta-feira, 23 de abril de 2025

Faróis da Humanidade: Entre a luz do conhecimento e as sombras da Ignorância

 


Ao longo da história da humanidade, os faróis sempre ocuparam um papel que transcende o seu uso original (náutico). De guias para embarcações perdidas ou que precisam se orientar a símbolos do esclarecimento e da resistência, essas estruturas se tornaram metáforas poderosas da busca humana por direção, conhecimento e segurança em tempos de incerteza.

Faróis que marcaram civilizações

Desde os tempos mais antigos, os faróis não são apenas estruturas de pedra e luz — são símbolos do instinto humano de orientar, proteger e seguir adiante, mesmo em meio às tempestades.

Em uma era em que o mar era o maior desafio, o desconhecido absoluto, o farol surgiu como promessa e referência. Sua chama, mesmo solitária e distante, significava esperança. Um ponto fixo no horizonte que dizia aos navegantes: a terra está próxima, você não está perdido.

O Farol de Alexandria, uma das Sete Maravilhas do Mundo Antigo, não foi apenas um prodígio da engenharia helenística — foi um monumento à confiança no conhecimento, à capacidade humana de dominar a escuridão com ciência e intenção. Construído no século III a.C. na ilha de Faros, no Egito. Reconhecido como uma das Sete Maravilhas do Mundo Antigo, esse monumento de engenharia não apenas orientava navegadores no mar Mediterrâneo, mas também simbolizava o esplendor intelectual da cidade que abrigava a maior biblioteca do mundo antigo. A luz de Alexandria não era apenas literal — era cultural, científica e filosófica.


Séculos depois, na costa britânica, o Farol de Eddystone tornou-se ícone de resiliência. Reconstruído diversas vezes após desastres naturais, ele representou a obstinação humana em manter acesa a chama da orientação mesmo diante do caos.

Nos Estados Unidos, o Farol de Cape Hatteras, com seus imponentes 64 metros de altura, foi realocado por inteiro em 1999 para evitar seu colapso diante do avanço do mar — um feito de engenharia, sim, mas também um gesto de respeito à memória coletiva e ao valor simbólico do monumento.

Faróis como metáfora do saber

Na história moderna, a figura do farol passou a ser usada também como metáfora do esclarecimento humano. Em tempos de alfabetização em massa, reformas educacionais ou renascimentos culturais, o “acender do farol” se tornou sinônimo de iluminar consciências, romper com a escuridão da ignorância e oferecer caminhos de emancipação social.

Nesse contexto, surge o Farol de Itapajé, no interior do Ceará. Construído não como instrumento náutico, mas como monumento cívico, ele se impôs na paisagem como marco simbólico da superação do analfabetismo e do progresso educacional. Sua forma e função comunicavam o essencial: aqui se acendeu uma luz, aqui a ignorância foi desafiada.

A demolição de um símbolo: retrocesso disfarçado de fé

Recentemente, na minha cidade, um farol semelhante — construído em 2004 para marcar um tempo de conquistas sociais, educacionais e urbanas — foi demolido pela atual gestão municipal. Em seu lugar, foi erguida uma imagem religiosa, numa operação que simboliza mais do que uma troca estética: representa um apagamento da memória coletiva e uma afronta ao caráter laico do Estado e à inteligência da população.

Não se trata aqui de desrespeito à fé, mas de um grave equívoco simbólico. O farol derrubado não era apenas concreto. Era um marco da alfabetização, um sinal visível de que a luz do conhecimento havia chegado. Destruí-lo é, em certa medida, celebrar a volta da escuridão — e isso jamais pode ser naturalizado.

Faróis não apenas iluminam — eles lembram

Em tempos de neblina institucional, de discursos que manipulam a fé para justificar decisões autoritárias, é urgente lembrar: os faróis existem para evitar naufrágios. Quando se derruba um farol, mesmo que simbólico, deixa-se a cidade à deriva.

Por isso, o repúdio a esse ato não é apenas legítimo — é necessário. É um grito contra o esquecimento, contra o retrocesso disfarçado de devoção. É a defesa da luz, da memória e do direito à história

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