À Beira do caminho
Era um domingo à tarde, o sol começava a se despedir, tingindo o céu de Fortaleza com tons de laranja e rosa. Eu voltava da praia, com a mente leve e o coração cheio daquela paz que só o mar consegue oferecer. Mas, ao passar pelo viaduto da Washington Soares com a Maestro Lisboa, deparei-me com uma cena que cortou o meu sossego como uma faca: um rapaz, jovem, sentado no parapeito do viaduto, olhando para o vazio. Seus olhos pareciam perdidos, como se já tivessem desistido de algo — ou de tudo.
Ao redor, algumas pessoas paradas, hesitantes, ligando para o CIOPs, tentando ajudar, mas sem saber exatamente o que fazer. O rapaz não parecia ouvir os apelos, como se estivesse em outro mundo, um mundo onde a dor era tão grande que só o silêncio do abismo poderia acolhê-lo. Fiquei ali, parado, sentindo um nó na garganta, enquanto a cena se desenrolava. Não sei se ele pulou. Não sei o que aconteceu depois. Mas aquela imagem ficou gravada em mim, como um filme que não para de rodar.
A dor Invisível
O rapaz no viaduto me fez pensar em tantas histórias que a música já contou. Em "Construção", Chico Buarque narra a queda de um trabalhador que, exausto, perde o controle e se despede da vida. A música é um retrato da sociedade que esmaga o indivíduo, mas também um alerta sobre a dor invisível que carregamos. Quantos de nós já não se sentiu como aquele rapaz, à beira de um abismo emocional, sem saber para onde ir ou a quem pedir ajuda?
Bob Dylan, em "Things have changed", fala sobre a loucura e o cansaço de um mundo em constante mudança. "Pessoas loucas, tempo estranho, estou cansado e não me canso", diz a letra. É como se o poeta estivesse descrevendo o rapaz do viaduto, alguém que, cansado de lutar, vê no vazio uma saída para a dor. Mas será que não há outra saída? Será que não podemos, como sociedade, estender a mão antes que seja tarde?
Em outro momento ele diz: "O Sr. Jinx e Senhorita Lucy, eles pularam em um lago"; O fato de Dylan trazer essa história em sua música mostra como a dor e o desespero são experiências humanas comuns. Não importa se é em um lago, em um viaduto ou em qualquer outro lugar: o sentimento de desamparo que leva alguém a considerar um ato extremo é algo que todos podemos, de alguma forma, compreender ou reconhecer. E isso não se limita à música de Dylan.
A universalidade desse tema está justamente na sua capacidade de nos conectar. Quando ouvimos uma música como "I Threw It All Away" ou "Construção", somos convidados a olhar para dentro de nós mesmos e para o mundo ao nosso redor. Quantas vezes já nos sentimos como Sr. Jinx e Senhorita Lucy, à beira de um lago simbólico, prontos para desistir de tudo? E quantas vezes vimos alguém próximo passar por isso, sem saber como ajudar?
A corda bamba da vida
Lembrei-me também de "O Bêbado e o Equilibrista", de João Bosco e Aldir Blanc. A música fala sobre a esperança e a resistência, mas também sobre a fragilidade de quem caminha na corda bamba da vida. O rapaz no viaduto era como um equilibrista, tentando manter o equilíbrio em meio ao caos. E nós, que estávamos ali, observando, éramos parte dessa corda bamba. Será que poderíamos ter feito mais? Será que poderíamos ter oferecido um ombro, uma palavra, um gesto de compaixão?
Zé Ramalho, em "Admirável Gado Novo", critica a alienação e a opressão que nos transformam em meros espectadores da própria vida. Quantas vezes passamos por alguém em crise e simplesmente desviamos o olhar, como se a dor alheia não fosse conosco? O rapaz no viaduto era um grito de alerta, um lembrete de que precisamos parar, olhar e agir.
A Janela da Esperança
No final, o que me consola é a música "Paisagem na Janela", de Lô Borges e Fernando Brant. Ela fala sobre a solidão, mas também sobre a possibilidade de encontrar luz mesmo nas situações mais escuras. Talvez o rapaz do viaduto não tenha pulado. Talvez ele tenha encontrado, naquele momento, uma razão para continuar. Talvez alguém tenha estendido a mão e mostrado que a vida, por mais difícil que seja, ainda vale a pena ser vivida.
Um chamado para Ação
Essa crônica não é só sobre o rapaz no viaduto. É sobre todos nós, que já nos sentimos perdidos, cansados, à beira de um abismo. É sobre a importância de olharmos uns para os outros com mais compaixão e menos julgamento. E é também um convite para que você, leitor, reflita sobre como pode ajudar alguém que está passando por um momento difícil.
Se você ou alguém que você conhece está em crise, não hesite em buscar ajuda. O CVV (Centro de Valorização da Vida) está disponível 24 horas por dia, através do número 188. Um gesto de cuidado pode salvar uma vida.
Para Saber Mais
Se você se identificou com essa história e quer se aprofundar no tema da saúde mental e da superação, recomendo o livro "Razão para Viver", de William Styron, que fala sobre depressão e a luta para encontrar sentido na vida. Você pode adquirir o livro através deste link: https://amzn.to/3Rae4H4
A vida é uma corda bamba, mas não precisamos caminhar sozinhos. Vamos juntos, cuidando uns dos outros, construindo pontes sobre águas turbulentas. Porque, no final, é isso que nos mantém vivos: a conexão, a compaixão e a esperança. 🌟
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